Pessoas em condição de miséria vão para as ruas

Blog do  Amaury Alencar


NA PRAÇA DO Ferreira, pessoas aguardavam distribuição de comida na noite de ontem, 15
NA PRAÇA DO Ferreira, pessoas aguardavam distribuição de comida na noite de ontem, 15
Apesar da maior parte de equipamentos como abrigos, centros de convivência e restaurantes sociais estar em funcionamento de domingo a domingo e do poder público ter aberto novas vagas em instalações provisórias, é possível observar um aumento na concentração de pessoas em praças de Fortaleza, principalmente durante a distribuição de donativos.

De acordo com a socióloga e professora universitária Lídia Valesca Pimentel, uma das explicações para as longas filas que se formam a cada distribuição de alimentos ou kits de higiene em pontos já conhecidos da capital cearense, como a Praça do Ferreira, é a de que as aglomerações não são formadas apenas pela população em situação de rua que vive na região. Homens e mulheres que possuem moradia estariam recorrendo às doações para garantir o mínimo da sobrevivência para suas famílias.


"Uma parte dessas pessoas moram em bairros próximos e dependiam do funcionamento do Centro para retirar algum sustento. Sem essa fonte de renda, elas têm se visto em situação de miséria e recorrem ao mesmo local para obter auxílio", afirma a socióloga.

A promotora de Justiça Giovana de Melo, titular da 9ª Promotoria de Justiça Ministério Público do Estado do Ceará, concorda: "com a imposição do isolamento social, muitas pessoas tiveram a renda comprometida. A impressão que se tem é que as filas estão maiores, e de fato, é isso que está acontecendo. Mas quem está lá pedindo auxílio não é mesmo somente a população de rua", diz.

Enquanto isso, os abrigos estão com lotação inferior à capacidade. Em algum momento da pandemia, a ocupação chegou a apenas 40%, de acordo com informações obtidas pela reportagem, e seguem com vagas sobrando, ainda que o fluxo de ingressos e egressos seja contínuo e permita variações nesse percentual.

"As pessoas que vivem nas ruas geralmente são andarilhas, passam os dias em deslocamento, e esse hábito passou a fazer parte da sociabilidade delas. Como dizer para elas que agora devem ficar paradas em um canto?", explica a socióloga Lídia Pimentel.

"Uma das soluções para o problema seria investir em educação para saúde, ou seja, ensinar como esse público pode se proteger e convencê-los da necessidade do isolamento social", completa. "Muitas simplesmente não têm ideia da gravidade da situação que estamos vivendo", acrescenta.

Em março, o Ministério Público do Ceará recomendou às secretarias municipais de Saúde, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, Desenvolvimento Habitacional e Secretaria da Saúde do Estado a elaboração de um plano de contingência esclarecendo as responsabilidades estabelecidas para conter o alastramento do vírus.

"O que nos foi dado como resposta foi a apresentação dos equipamentos que já existem e a criação de mais 150 vagas, sendo 100 na pousada social e 50 no Centro-Dia de Referência para Pessoas Idosas. Além dos 144 aluguéis sociais (no valor de R$ 420) já cedidos, seriam disponibilizados outros 144", enumera a promotora Giovana de Melo.

Segundo o último censo sobre a população de rua, feito em 2014, haveria 1.718 pessoas vivendo nas ruas, sendo entre 12% e 15% formada por idosos, um dos grupos de risco da Covid-19. Além disso, muitas são portadoras de doenças graves como pneumonia, tuberculose, HIV e sífilis.

Virginia Porto, presidente da comissão Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Estado do Ceará (OAB-CE), ressalta a importância de haver ações de redução de danos para a população que se enquadra nesse perfil. "As orientações sobre a pandemia precisam chegar até eles de forma adaptada às distintas realidades", pontua.

 O POVO fez contato com a assessoria da Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS) mas não obteve informações até o fechamento desta matéria.


o Povo