Mesmo em um ano marcado por chuvas irregulares e abaixo do esperado no Cariri cearense, a Serra do Araripe volta a ser palco de uma das mais fortes expressões de resistência econômica, cultural e ambiental da região: a colheita e comercialização do pequi. Ao longo da CE-292, no trecho que liga os municípios do Crato e Nova Olinda, e também na rodovia que conecta Barbalha a Jardim, agricultores familiares montam barracas padronizadas às margens das estradas, transformando o fluxo de veículos em oportunidade de sustento e preservação de um modo de vida tradicional.
As chuvas que caíram sobre a região nos últimos dias foram suficientes apenas para “banhar” a terra, sem garantir um inverno considerado promissor para a agricultura. Ainda assim, o ciclo natural da floresta respondeu, mesmo de forma tímida, permitindo que o pequi surgisse como alternativa de renda para dezenas de famílias que dependem diretamente da Floresta Nacional do Araripe.
Nas rodovias que cortam a serra, o cenário se repete: barracas simples, sacos de pequi empilhados, famílias inteiras envolvidas no trabalho e histórias marcadas por esforço, fé e persistência. O que para muitos motoristas é apenas uma parada rápida, para os agricultores representa dias inteiros de trabalho pesado e uma fonte essencial de renda complementar.
Uma rotina que começa antes do sol nascer
Entre os agricultores está Pedro Vieira da Silva, morador do Sítio Zabelê, que há mais de cinco anos mantém uma barraca fixa às margens da CE-292. Ele relata que, mesmo com um ano difícil do ponto de vista climático, a comercialização do pequi segue sendo fundamental para o sustento da família.
“Eu tenho a minha barraca há mais de cinco anos aqui, e todos os anos, graças a Deus, a gente consegue ter esse ganho extra. Apesar de não ter sido um ano de um inverno bom para melhorar a colheita e a safra do pequi, estou conseguindo vender a contento. Isso ajuda bastante a mim e à minha família”, afirmou.
A rotina da família começa ainda na madrugada. Antes mesmo do amanhecer, Pedro, a esposa e os cinco filhos seguem para o interior da floresta, em longas caminhadas para recolher os frutos que caem naturalmente dos pés de pequi.
“Acordo cedo e vou para a floresta do Araripe colher os pequis que caem dos pés. Eu, minha esposa e meus cinco filhos fazemos uma verdadeira maratona”, contou.
Depois da colheita, o trabalho continua na estrada. A família se reveza no atendimento da barraca, que funciona do início da manhã até o final da tarde, sempre antes do escurecer.
“Tem dia que consigo vender bem, tem outros que a gente vende razoável. A gente nunca sabe como vai ser. Por isso, sempre faço o revezamento com a família na barraca do começo da manhã até o final da tarde”, relatou.
Atualmente, Pedro comercializa dois sacos de pequi por R$ 30,00, um preço acessível que atrai moradores da região, comerciantes e motoristas que já conhecem a tradição e fazem questão de levar o fruto para casa.
Outras vozes, a mesma realidade
Outros agricultores ouvidos pela reportagem relatam uma realidade semelhante. Muitos afirmam que a safra deste ano foi menor, exigindo mais esforço na coleta e mais dias de trabalho para alcançar uma renda considerada satisfatória. Ainda assim, a venda do pequi continua sendo vista como uma oportunidade indispensável, especialmente em um cenário de instabilidade econômica no campo.
Segundo eles, a irregularidade das chuvas tem impactado diretamente a produção, mas a tradição e o conhecimento da floresta ajudam a minimizar os prejuízos. “Quando o inverno não ajuda, a gente se ajuda com mais trabalho”, resumiu um agricultor que comercializa o fruto na estrada Barbalha–Jardim.
Da CE-292 à rodovia Barbalha–Jardim
Além da CE-292, a rodovia que liga Barbalha a Jardim também se transformou em um importante corredor de comercialização do pequi. No trecho, agricultores montam barracas semelhantes, aproveitando o intenso tráfego entre os municípios para ampliar as vendas.
Assim como na estrada Crato–Nova Olinda, na rodovia Barbalha–Jardim a atividade envolve famílias inteiras, que se revezam entre a coleta na floresta e o atendimento aos clientes. Para muitos, a proximidade com áreas de mata e o fluxo constante de veículos tornam o local estratégico para a venda dos produtos.
Mais que pequi: a floresta como sustento
Além do pequi in natura, os agricultores aproveitam o espaço para comercializar jaca, óleo de pequi e outros produtos derivados da Floresta do Araripe, ampliando a renda e valorizando os saberes tradicionais. O óleo, em especial, carrega usos culinários e medicinais transmitidos de geração em geração, reforçando a identidade cultural da região.
Essa diversificação é vista como uma forma de garantir maior segurança financeira diante das incertezas climáticas. “Quando o pequi não dá muito, a gente complementa com outros produtos da floresta”, relatou outro vendedor.
Tradição, resistência e futuro
A comercialização do pequi às margens das rodovias do Cariri vai além do aspecto econômico. Ela representa resistência cultural, preservação ambiental e a continuidade de um modo de vida que depende diretamente do equilíbrio da floresta.
Mesmo em um ano de inverno fraco, as barracas montadas ao longo da CE-292 e da rodovia Barbalha–Jardim mostram que a Serra do Araripe segue pulsando através do trabalho de seus agricultores. Entre sacos de pequi, longas jornadas e revezamento familiar, essas famílias transformam a adversidade em sustento e mantêm viva uma tradição que atravessa gerações.
Na Serra do Araripe, cada fruto vendido carrega mais do que sabor: carrega história, luta, fé e a esperança de dias melhores, mesmo quando a chuva insiste em não cair como se espera.
