Bolsa Família, da resistência de 2019 às dúvidas de 2020

Blog do  Amaury Alencar


FORTALEZA, CE, Brasil - 16.01.2020: Beneficiária do programa Bolsa Família (Fotos: Thais Mesquita/O POVO)
FORTALEZA, CE, Brasil - 16.01.2020: Beneficiária do programa Bolsa Família (Fotos: Thais Mesquita/O POVO)

O governo de Jair Bolsonaro, reformista na economia, iniciou o primeiro ano de mandato com o grande desafio de manter o programa Bolsa Família, que mesmo, historicamente, criticado pelo presidente, permanece com forte aceitação, especialmente junto aos segmentos mais pobres do País. Na chegada de 2020, beneficiários e especialistas manifestam incertezas quanto ao futuro do programa, considerando-se, especialmente, o enxugamento no número de cadastrados que aconteceu ao longo de 2019 e, nos últimos dias, com o anúncio de uma reformulação pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra.

No Ceará, em 2019, o governo federal destinou mais de R$ 2,5 bilhões para atender mais de 1 milhão de famílias cadastradas. Uma delas localizada pelo O POVO em Fortaleza, na Barra do Ceará, chefiada por Janiele Nascimento, de 32 anos. Em 2012, a Defesa Civil aconselhara a dona de casa a buscar o Bolsa Família e, desde então, o benefício é utilizado para suprir itens básicos da rotina familiar, além de servir como auxílio para seu tratamento contra a tuberculose, contraída aos 18 anos. "Eu uso o dinheiro, como sempre, para necessidades básicas, como alimentação, educação dos meus filhos e minha saúde, que não anda muito boa. É apertado, mas dá", afirma.

Em 2017, Janiele diz ter sido expulsa de sua casa própria por uma facção criminosa e, junto do marido e dos três filhos, perambulou por diversos pontos da capital. Entretanto, com o programa ela afirma ter conseguido manter a família. "Eu tenho passado por vários cantos e é como se a gente não tivesse um valor. Não é porque eu queira ficar sem fazer nada, mas é porque eu me trato da tuberculose, então, por enquanto, só me vejo focada no meu tratamento e nos meus filhos", revela.
Mesmo com duas transições - a primeira com a chegada de Temer, em 2015, e depois com Jair Bolsonaro, em 2019 -, Janiele afirma não ter enfrentado problema durante os oito anos de recebimento das parcelas e, inclusive, elogia a novidade da 13ª parcela para os beneficiários implantada em dezembro do ano passado, já no atual governo. "Sempre foi o mesmo valor de R$ 212,00 e modificou só agora com o abono natalino que ajudou bastante. Eu vejo como um incentivo que vai continuar, porque quero melhorar de vida, conseguir um bom emprego".

Criado em 2003, o Bolsa Família é um programa de transferência de renda do governo federal que tem o objetivo de combater a extrema pobreza no País. Hoje, ele atende pessoas que vivem em situação de extrema pobreza, com renda per capita de até R$ 89 mensais, e pobreza, com renda entre R$ 89,01 e R$ 178 por mês. Em novembro de 2019, a cobertura do programa foi estimada em 13,2 milhões de famílias. O benefício médio atual é de R$ 191,08 por família.

No começo de 2019, o programa cresceu e atingiu o auge em maio, quando 14,3 milhões de famílias foram atendidas. Porém, diante de dificuldades orçamentárias, registrou seguidas quedas. O projeto de Orçamento elaborado pela equipe econômica reservou R$ 29,5 bilhões para o programa no próximo ano - menos que os R$ 32 bilhões de 2019 e sem a previsão do 13º para beneficiários, prometido pelo presidente. A expectativa é que 13,2 milhões de famílias sejam atendidas em 2020, mesma cobertura registrada em novembro, após os sucessivos enxugamentos promovidos por Bolsonaro.

Além dos cortes, a redução no número de benefícios também é uma consequência dos programas sociais de impacto, já que as pessoas podem ficar independentes da assistência. Esse é o caso de Emanuela De Souza, 33 anos, que receberá em janeiro a última parcela do Bolsa Família, após arrumar emprego como costureira.

 "Quando meus meninos eram pequenininhos, eu precisei. Soube pela televisão, fui no Cras do Novo Maracanaú, onde moro, e solicitei o benefício. Eu recebo pelos dois filhos que tenho na escola e isso ajuda muito para comprar o material escolar e a alimentação" afirma.

Emanuela de Sousa, temor em relação ao futuro do programa
Emanuela de Sousa, temor em relação ao futuro do programa (Foto: MAURI MELO/O POVO)

Mãe de dois filhos e casada, Emanuela já participou do programa como dependente aos 14 anos. Hoje, ela revela que, na família, outras três pessoas são beneficiárias. " Graças a Deus minha família quase toda tem, as minhas duas irmãs e minha sobrinha. Como de costume, agora em 2019 eu não tive dificuldades para receber e acho que o Bolsa Família deve continuar porque beneficia muitas pessoas" declara.

Mesmo após conseguir a carteira de motorista e o curso de costureira por meio do Bolsa Família, Emanuela demonstra temor sobre o futuro do programa. "Eu tenho uma visão um pouco negativa, do jeito que está hoje não sei muito o que pode acontecer, com esse governo fica meio incerto", ressalta.


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