Com sonho de escrever cartas de Natal, mulher aprende a ler depois dos 60: ‘Não vou parar’

Blog do  Amaury Alencar

Seis décadas sem saber ler e escrever. Assim foi a vida de Neuza Rosa de Souza, que cresceu na Bahia e viu a vida mudar após os 60 anos, quando se mudou para Campinas (SP) e realizou, enfim, o sonho de ser alfabetizada. Agora, a cozinheira vai poder praticar algo que sempre sonhou: escrever cartinhas de Natal.

 Com sonho de escrever cartas de Natal, mulher aprende a ler depois dos 60: ‘Não vou parar’

“Nesse [Natal] eu já posso. Nunca é tarde para você ir atrás, correr atrás do que você quer”.
Neuza teve uma infância simples e de muito trabalho. Devido à rotina na lavoura, nunca teve a oportunidade de frequentar uma escola e passou toda a juventude sem estudar.
“Meus pais sempre moraram na Bahia, nós trabalhávamos muito. Nunca fui à escola, pedia para o meu pai, mas ele dizia: ‘não, filha minha não tem que ir para a escola. Filha mulher não tem que aprender a escrever, tem que aprender a lavar e cozinhar, é isso que uma mulher precisa'”.
Foi através do irmão que Neuza saiu do Nordeste. Ela lembra que a mãe, ainda na Bahia, achava que o filho havia morrido, mas se surpreendeu quando ele fez contato e convidou a família para vir a São Paulo, onde ele morava desde jovem.
“Nós éramos doidos para conhecer São Paulo, achávamos que era uma cidade de outro mundo”.

Cartinhas para o Papai Noel

Neuza trabalhava como babá e, com a correria das atividades, não conseguiu perseguir o sonho de aprender a ler. Por ter que dormir no serviço, o tempo era ainda mais escasso do que quando morava na Bahia. Foi durante a época do Natal, no entanto, que o futuro de Neuza ganhou uma perspectiva diferente.
“Foi muito interessante. Nessa casa, o menino pegou e fez uma cartinha de Natal e me falou: ‘Neuza, vamos escrever cartas para o Papai Noel. Você faz o pedido e ele traz o presente'”.
Constrangida, contou ao garoto que não sabia escrever.
“Ele gritou: ‘mãe, mãe, a Neuza não sabe escrever!’ Depois ela veio falar comigo e eu contei que, realmente, eu não sabia escrever”.

‘Vergonha’

Neuza conta que, às vezes, chegava a folhear livros para observar as palavras. Quando perguntada sobre o conteúdo das obras, disfarçava.
“Dizia que era interessante, mas nem sabia o que estava escrito. Sentia um vazio e, ao mesmo tempo, vergonha de falar para as pessoas que eu não sabia ler.”

Casamento e sonho adiado… de novo

Neuza se casou, mas o matrimônio não ajudou que ela, enfim, começasse a estudar. O marido, por causa de ciúmes, não deixava que ela desempenhasse qualquer atividade que não fosse o trabalho.
“Quando eu chegava, ele revirava toda a minha bolsa. Imagina se eu fosse para a escola?”
A separação veio ao mesmo tempo em que a neta, que morava na mesma casa, foi embora. Como era ela que auxiliava Neuza em todas as práticas que envolviam algum tipo de leitura ou escrita, o baque foi grande. Ao assistir uma reportagem na televisão, finalmente, a realidade de Neuza mudou.
“Tinha uma senhora e um senhor falando que não sabiam nem escrever o nome e que, agora, estavam escrevendo cartas. Por que eles, com essa idade, aprenderam? Eu era louca para escrever cartas”.

Realização

Com o incentivo da neta, Neuza ingressou na Fundação Municipal para Educação Comunitária, de Campinas, onde iniciou as aulas de alfabetização.
Foto: Reprodução/EPTV
“Fácil não é, mas, quando você tem força de vontade, se torna fácil. Não tem nem um ano que eu entrei na escola e já estou assim”.
A primeira coisa que escreveu foi um bilhete para o neto. “É muito bom. A leitura é fundamental, agora eu vejo”. Em 2019, Neuza vai passar o primeiro Natal alfabetizada, e garante que não vai parar por aí.
“Não vou parar. Vou me formar ainda, vocês vão ver. Vou pegar um diploma”.
Fonte: G1