Promotores de Justiça cearenses protestam contra o projeto de lei de Abuso de Autoridade

Blog do  Amaury Alencar


FORTALEZA, CE, BRASIL, 23.08.2019: Protesto de Procuradores e promotores contra a lei de abuso de autoridade. sede do MPCE.  (Fotos: Fabio Lima/O POVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 23.08.2019: Protesto de Procuradores e promotores contra a lei de abuso de autoridade. sede do MPCE. (Fotos: Fabio Lima/O POVO)(Foto: Fabio Lima/Fabio Lima)
Ato no pátio da Procuradoria Geral de Justiça, em Fortaleza, protestou ao meio-dia desta sexta-feira, 23, contra o projeto de lei (PL) 7596/17 que dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade cometidos por agentes públicos. A Câmara dos Deputados aprovou o PL no último dia 14. O texto foi aprovado no Senado em abril de 2017 e segue agora para a sanção da Presidência da República.

Na semana passada, o senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP) lembrou ter votado contra a aprovação, mesmo sendo o autor da proposta. Ele explica que o texto final deixou de ser uma regulação do abuso de autoridade para ser uma retaliação à atuação independente de procuradores e de outros agentes de combate à corrupção. “Eu espero que o presidente da República não faça veto seletivo. O projeto todo deveria ser vetado”, sugeriu Randolfe. O texto aprovado no Senado foi um substitutivo do ex-senador Roberto Requião.


A categoria de procuradores e promotores de Justiça concorda com Randolfe, sobre a iminente interferência na autonomia da Justiça e das polícias no Brasil.

A matéria prevê mais de 30 ações que podem ser consideradas abuso de autoridade, com penas que variam entre seis meses e quatro anos de prisão. Segundo o texto, essas condutas somente serão crime se praticadas com a finalidade específica de prejudicar outra pessoa ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, assim como por mero capricho ou satisfação pessoal.

Conduções coercitivas manifestamente descabidas, prisão sem conformidade com as hipóteses legais e manutenção de presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento são algumas das condutas criminalizadas no projeto. Estão sujeitos a responder pelos crimes do projeto qualquer agente público, servidor ou não, de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Os membros do MP ouvidos na reportagem opinaram que a redação do PL despreza a existência das corregedorias dos órgãos públicos, como o Conselho Nacional do Ministério Público, o Conselho Nacional de Justiça, as ouvidorias e corregedorias estaduais e de órgãos de segurança pública. Além disso, se sancionado, intimidaria a aplicação da Justiça contra os poderosos.
Para o presidente da Associação Cearense do Ministério Público (ACMP), Aureliano Rebouças Júnior, o texto, que substituiria a lei Nº 4.898/1965, deve ser vetado integralmente. “O projeto não teve debate necessário com a população, nem mesmo entre parlamentares. A votação na Câmara não foi nominal. O objetivo desse texto é intimidar a atuação do MP no combate ao crime organizado e interferir na autonomia dos órgãos ministeriais, enfraquecendo-os. Há inversão de valores, porque investigamos quem tem poder e esse projeto abre margem para que agentes públicos sejam processados simplesmente pelo exercício da sua função; abre margem à retaliação”, completa Aureliano.
O vice-presidente da Associação Internacional de Procuradores (IAP), promotor Manuel Pinheiro Freitas, detalha que o PL ignora as garantias de independência e autonomia de quem faz a Justiça. A IAP é organização que representa procuradores de promotores de Justiça ou equiparados em 177 países, sendo ainda órgão consultivo da ONU.
“O texto do PL tem conceitos vagos, como ser crime de responsabilidade não corrigir erro relevante em procedimento judicial. Assim, são abertas brechas à interpretação e agrava os riscos a quem trabalha combatendo o crime organizado. É prejudicial ainda à celeridade, porque nós promotores, por exemplo, teríamos de parar de investigar para nos defender. É um risco à sociedade”, frisou Manuel.
Estiveram presentes no ato desta sexta, aproximadamente, 100 membros do MPCE. “Tivemos um assombro quando um Projeto de Lei que dormitava desde 2015, de uma hora para outra, por meio de um acordo entre os partidos políticos, foi votado à sorrelfa. O MP, a magistratura, a Polícia brasileira jamais serão a favor de qualquer abuso. Uma autoridade que abusa do seu poder, não está respeitando as balizas desse mesmo Estado. Portanto, não somos a favor de abusos. Mas este Projeto de Lei vem na contramão do trabalho que tem sido feito no combate à corrupção e à criminalidade, e exatamente quando o Estado brasileiro precisa ser fortalecido”, disse o procurador-geral de Justiça Plácido Rios.
Ainda está prevista a realização de um panfletaço neste sábado, 24, às 8h30min, na Praça do Ferreira, em Fortaleza. Outras ações aconteceram na quinta-feira, no Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza, e no Fórum Desembargador Juvêncio Joaquim de Santana, em Juazeiro do Norte.
O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), em nota pública, declarou que a proposta normativa tenta regulamentar situações já abarcadas pelo Código Penal e, valendo-se de expressões marcadas por indisfarçável controversa, criminaliza o agente por abuso de autoridade que começar processo penal, civil ou administrativo ‘sem justa causa fundamentada’. Por consequência, o PL cria obstáculos à legítima atuação do Ministério Público no combate à criminalidade organizada e à corrupção. As propostas de criminalização, por falta de um debate mais cuidadoso, descrevem condutas que já se caracterizam infrações penais previstas pela nossa legislação, algumas, inclusive, punidas mais severamente”.
O PGJ do Mato Grosso do Sul e presidente do CNPG, Paulo Cezar dos Passos, registrou que o atropelo ao devido processo legislativo configurou inconstitucionalidade. “As propostas de criminalização, por falta de um debate mais cuidadoso, descrevem condutas que já se caracterizam infrações penais previstas pela nossa legislação, algumas, inclusive, punidas mais severamente. O alcance do PL é indefinido, ao passo que construir tipo criminal nestes termos é servir de campo fértil para arbitrariedades. A gravidade é evidente”.


 

Com Agência Senado