Ato no pátio da Procuradoria Geral de
Justiça, em Fortaleza, protestou ao meio-dia desta sexta-feira, 23,
contra o projeto de lei (PL) 7596/17 que dispõe sobre os crimes de abuso
de autoridade cometidos por agentes públicos. A Câmara dos Deputados aprovou o PL no último dia 14. O texto foi aprovado no Senado em abril de 2017 e segue agora para a sanção da Presidência da República.
Na semana passada, o senador Randolfe
Rodrigues (Rede/AP) lembrou ter votado contra a aprovação, mesmo sendo o
autor da proposta. Ele explica que o texto final deixou de ser uma
regulação do abuso de autoridade para ser uma retaliação à atuação
independente de procuradores e de outros agentes de combate à corrupção.
“Eu espero que o presidente da República não faça veto seletivo. O
projeto todo deveria ser vetado”, sugeriu Randolfe. O texto aprovado no
Senado foi um substitutivo do ex-senador Roberto Requião.
A categoria de procuradores e promotores de Justiça
concorda com Randolfe, sobre a iminente interferência na autonomia da
Justiça e das polícias no Brasil.
A matéria prevê mais de 30 ações que podem ser
consideradas abuso de autoridade, com penas que variam entre seis meses e
quatro anos de prisão. Segundo o texto, essas condutas somente serão
crime se praticadas com a finalidade específica de prejudicar outra
pessoa ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, assim como por mero
capricho ou satisfação pessoal.
Conduções coercitivas manifestamente descabidas, prisão
sem conformidade com as hipóteses legais e manutenção de presos de
ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento são algumas das
condutas criminalizadas no projeto. Estão sujeitos a responder pelos
crimes do projeto qualquer agente público, servidor ou não, de qualquer
dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Os membros do MP ouvidos na reportagem opinaram que a
redação do PL despreza a existência das corregedorias dos órgãos
públicos, como o Conselho Nacional do Ministério Público, o Conselho
Nacional de Justiça, as ouvidorias e corregedorias estaduais e de órgãos
de segurança pública. Além disso, se sancionado, intimidaria a
aplicação da Justiça contra os poderosos.
Para o presidente da Associação Cearense do Ministério
Público (ACMP), Aureliano Rebouças Júnior, o texto, que substituiria a
lei Nº 4.898/1965, deve ser vetado integralmente. “O projeto não teve
debate necessário com a população, nem mesmo entre parlamentares. A
votação na Câmara não foi nominal. O objetivo desse texto é intimidar a
atuação do MP no combate ao crime organizado e interferir na autonomia
dos órgãos ministeriais, enfraquecendo-os. Há inversão de valores,
porque investigamos quem tem poder e esse projeto abre margem para que
agentes públicos sejam processados simplesmente pelo exercício da sua
função; abre margem à retaliação”, completa Aureliano.
O vice-presidente da Associação Internacional de
Procuradores (IAP), promotor Manuel Pinheiro Freitas, detalha que o PL
ignora as garantias de independência e autonomia de quem faz a Justiça. A
IAP é organização que representa procuradores de promotores de Justiça
ou equiparados em 177 países, sendo ainda órgão consultivo da ONU.
“O texto do PL tem conceitos vagos, como ser crime de
responsabilidade não corrigir erro relevante em procedimento judicial.
Assim, são abertas brechas à interpretação e agrava os riscos a quem
trabalha combatendo o crime organizado. É prejudicial ainda à
celeridade, porque nós promotores, por exemplo, teríamos de parar de
investigar para nos defender. É um risco à sociedade”, frisou Manuel.
Estiveram presentes no ato desta sexta,
aproximadamente, 100 membros do MPCE. “Tivemos um assombro quando um
Projeto de Lei que dormitava desde 2015, de uma hora para outra, por
meio de um acordo entre os partidos políticos, foi votado à sorrelfa. O
MP, a magistratura, a Polícia brasileira jamais serão a favor de qualquer abuso.
Uma autoridade que abusa do seu poder, não está respeitando as balizas
desse mesmo Estado. Portanto, não somos a favor de abusos. Mas este
Projeto de Lei vem na contramão do trabalho que tem sido feito no
combate à corrupção e à criminalidade, e exatamente quando o Estado
brasileiro precisa ser fortalecido”, disse o procurador-geral de Justiça
Plácido Rios.
Ainda está prevista a realização de um panfletaço neste
sábado, 24, às 8h30min, na Praça do Ferreira, em Fortaleza. Outras
ações aconteceram na quinta-feira, no Fórum Clóvis Beviláqua, em
Fortaleza, e no Fórum Desembargador Juvêncio Joaquim de Santana, em
Juazeiro do Norte.
O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do
Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), em nota pública,
declarou que a proposta normativa tenta regulamentar situações já
abarcadas pelo Código Penal e, valendo-se de expressões marcadas por
indisfarçável controversa, criminaliza o agente por abuso de autoridade
que começar processo penal, civil ou administrativo ‘sem justa causa
fundamentada’. Por consequência, o PL cria obstáculos à legítima atuação
do Ministério Público no combate à criminalidade organizada e à
corrupção. As propostas de criminalização, por falta de um debate mais
cuidadoso, descrevem condutas que já se caracterizam infrações penais
previstas pela nossa legislação, algumas, inclusive, punidas mais
severamente”.
O PGJ do Mato Grosso do Sul e presidente do CNPG, Paulo
Cezar dos Passos, registrou que o atropelo ao devido processo
legislativo configurou inconstitucionalidade. “As propostas de
criminalização, por falta de um debate mais cuidadoso, descrevem
condutas que já se caracterizam infrações penais previstas pela nossa
legislação, algumas, inclusive, punidas mais severamente. O alcance do
PL é indefinido, ao passo que construir tipo criminal nestes termos é
servir de campo fértil para arbitrariedades. A gravidade é evidente”.
Com Agência Senado