Resíduo orgânico: para onde vão os restos de comida e qual exemplo o Cariri dá para o Brasil na gestão desse material

Blog do  Amaury Alencar
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_Enquanto o Brasil desperdiça 98% do resíduo orgânico, projeto no Crato transforma restos do restaurante universitário em adubo, reduzindo emissões de gases nocivos_


Os resíduos orgânicos produzidos no Brasil enfrentam um paradoxo ambiental silencioso: de acordo com o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, o país produz cerca de 800 milhões de toneladas de resíduos orgânicos por ano. Segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), menos de 2% desse montante recebe o tratamento adequado, e os outros 98% têm como destino os aterros sanitários e os lixões.

O descarte incorreto não é apenas uma questão de espaço físico, mas de saúde pública e climática. Dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) apontam que a disposição inadequada de restos de alimentos e resíduos de jardinagem é a segunda maior fonte de emissões de metano no país. O Brasil já é o quinto maior emissor global deste gás, que possui um potencial de efeito estufa 82,5 vezes maior que o gás carbônico.

*Adubo orgânico e biofertilizantes*
Para reverter esse cenário, a chave está em enxergar o resíduo orgânico não como problema, e sim como matéria-prima. Quando tratados corretamente, cascas de frutas, restos de vegetais e podas ganham novas finalidades através da compostagem e da biodigestão.

O processo gera subprodutos de alto valor, como o adubo orgânico sólido, essencial para recuperar solos degradados e nutrir hortas sem químicos, e o biofertilizante líquido, gerado a partir do lixiviado produzido pela decomposição da matéria orgânica, que se torna um potente nutriente para a agricultura no processo de pulverização de folhas e de irrigação do solo. Em escalas maiores ou industriais, o tratamento desses resíduos em biodigestores ainda permite a geração de biogás, uma fonte de energia limpa e renovável.

Doutor em saneamento ambiental e professor do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária do Instituto Federal do Ceará (IFCE), Francisco Humberto de Carvalho Junior defende a transformação de resíduos em adubo ou biofertilizante. “A transformação de resíduos orgânicos em adubo ou biofertilizante representa um retorno sustentável de nutrientes ao ciclo biogeoquímico. Do ponto de vista técnico, o potencial desse composto para a recuperação de solos degradados e para a agricultura urbana é vasto e, em muitos aspectos, superior ao uso exclusivo de fertilizantes químicos”, explicou o professor.

Segundo ele, para recuperação de solos degradados, como os espaços onde funcionavam lixões, o composto orgânico é insubstituível, pois reconstrói o que foi perdido.

*Educação para a sustentabilidade*

Na contramão das estatísticas nacionais, o Cariri desponta com o Laboratório Vivo de Agricultura Urbana e Periurbana (LaVAUP) , vinculado à Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade Federal do Cariri (UFCA), que transformou parte do campus em um laboratório de ações voltadas para sustentabilidade. O projeto implementou um sistema de compostagem que recebe os resíduos orgânicos gerados no Restaurante Universitário do Campus Crato. Através de um processo biológico controlado, o que antes seria descartado de forma incorreta, é transformado em adubo orgânico rico em nutrientes, utilizado para fertilizar a horta do laboratório, garantindo alimentos saudáveis e reduzindo a pegada de carbono.

O projeto é comandado pela professora do curso de Agronomia da UFCA, Cláudia Marco, e pelos alunos Bruna Patrício e André Fonseca. A produção de adubo orgânico gera inúmeros benefícios, entre eles, a diminuição da emissão de metano, um dos gases que contribuem para o aquecimento global. “Com adubo orgânico produzido, o projeto gera benefícios ambientais e agronômicos simultaneamente, ao reduzir significativamente o volume de resíduos destinados aos aterros, evitar a formação de chorume e a emissão de metano, além de fortalecer a educação socioambiental”, explica a professora.
Esta ação do LaVAUP dialoga diretamente com a nova Estratégia Nacional de Resíduos Orgânicos Urbanos, em construção pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). A diretriz determina, entre as metas, não apenas a redução das emissões de metano em 30% até 2030 - conforme o Compromisso Global do Metano assinado na COP26, em 2021, mas também o fomento da agricultura urbana e da reciclagem.

“O manejo de resíduos, a compostagem, aproveitamento de espaços ociosos e degradados para cultivar hortaliças em estruturas oriundas da reciclagem (garrafas pet, pneus, caixinhas de leite etc.), estimula mudanças de atitude e fortalece a formação cidadã. Seus efeitos já alcançam a comunidade externa por meio de oficinas, visitas guiadas e ações educativas em escolas e instituições públicas, que disseminam conhecimentos e incentivam práticas sustentáveis nas cidades que vão além dos muros da UFCA”, destaca Cláudia.

*Potenciais dos resíduos orgânicos*
Além do ganho ambiental, a aposta na compostagem traz benefícios econômicos e sociais significativos. Segundo estudos do Instituto Pólis, a compostagem é a solução para os problemas climáticos que o planeta enfrenta. “A matéria orgânica é o que sustenta a vida no solo, aumenta a capacidade de retenção de água, a absorção de nutrientes e a resistência a extremos climáticos”, destaca o estudo. Isso reforça que iniciativas como a do LaVAUP, da UFCA, têm potencial para ser replicadas em municípios de pequeno e médio porte, onde tecnologias de alta complexidade são inviáveis economicamente.

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