
Em trajetória de alta desde o início de 2024, o comprometimento da renda das famílias brasileiras alcançou, em outubro, o maior patamar da série histórica do Banco Central, iniciada em março de 2011.
O indicador chegou a 29,4%, segundo dados divulgados pela autoridade monetária. Mesmo ao desconsiderar o financiamento imobiliário, o índice também bateu recorde, atingindo 27,2%.
APERTO FINANCEIRO
De forma simplificada, o comprometimento de renda mede quanto as famílias destinam de sua renda disponível para o pagamento dos serviços das dívidas.
A escalada do indicador reflete a combinação de forte expansão do crédito nos últimos anos com taxas de juros elevadas. Embora o crédito ainda apresente crescimento, o ritmo vem desacelerando desde o segundo trimestre. Em novembro, a alta do saldo de crédito em 12 meses foi de 9,5%, a primeira vez abaixo de 10% desde maio de 2024.
JUROS ALTOS
Os juros cobrados pelo sistema financeiro seguem em elevação, acompanhando a política monetária restritiva do Banco Central. A última vez que a taxa básica de juros ficou abaixo de 10% foi em dezembro de 2021.
Atualmente, a Selic está em 15%, patamar mantido desde junho, enquanto a taxa média de juros do sistema financeiro chegou a 31,9% ao ano em novembro, acima dos 28,5% registrados em dezembro de 2024.
DESACELERAÇÃO
Para o economista-chefe da EQI Asset, Stephan Kautz, o cenário é resultado da combinação entre juros mais altos e desaceleração do crescimento do rendimento real da população.
Dados da Pnad Contínua, do IBGE, mostram que a massa de rendimento real habitual no mercado de trabalho ficou estável no terceiro trimestre, embora tenha alcançado um recorde de R$ 354,6 bilhões.
“Apesar de crescer acima da inflação, o rendimento real vem desacelerando na margem, o que aumenta o comprometimento da renda. É uma perspectiva ruim, que tende a manter a inadimplência pressionada e preocupa os bancos”, avaliou.
Em relatório, o diretor de pesquisa econômica para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, também destacou o nível recorde do comprometimento em outubro. Segundo ele, o cenário impõe desafios às condições de crédito, em um ambiente de política monetária apertada e crescimento econômico moderado. Por outro lado, a atuação de bancos públicos e programas governamentais de estímulo ao crédito pode suavizar parte desse ciclo.
Assim como o comprometimento de renda, o endividamento das famílias avançou nos últimos meses e chegou a 49,3% em outubro, o maior nível desde novembro de 2022. Para o chefe-adjunto do Departamento de Estatísticas do BC, Renato Baldini, o dado pode ser interpretado sob duas óticas: risco à saúde financeira da população ou reflexo de maior acesso ao crédito. “O endividamento é a relação entre o volume de crédito destinado ao consumo ou à habitação e a renda obtida pelas famílias”, explicou.
Para 2026, Kautz avalia que o mercado de crédito será influenciado por forças opostas. De um lado, a expectativa de início da redução da Selic, que pode aliviar a inadimplência e o comprometimento da renda — a inadimplência ficou em 3,8% em outubro, estável desde julho. De outro, há a previsão de enfraquecimento do mercado de trabalho, o que pode limitar esse alívio.
O Banco Central projeta crescimento de 8,6% do saldo total de crédito bancário em 2026, abaixo dos 9,4% estimados para 2025, indicando um cenário de maior cautela diante do peso crescente das dívidas no orçamento das famílias