A Câmara dos Deputados deve votar na próxima semana um projeto de lei, de autoria do deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), que desvincula recursos de 29 fundos, que têm destinação específica e não podem ser usados para bancar outras despesas, para o financiamento de programas de combate à Covid-19. Se aprovada, a proposta pode liberar cerca de R$ 177 bilhões que hoje estão parados na conta única do Tesouro.
A ideia é desvincular apenas fundos não constitucionais. O que tornaria sua tramitação mais rápida do que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos fundos públicos, apresentada no fim do ano passado, que prevê o extinção de 241 fundos e libera os recursos para abatimento da dívida pública.
Enquanto uma PEC exige dois turnos de votação e quórum qualificado para aprovação, o projeto de lei complementar requer turno único e maioria absoluta (metade mais um) das duas Casas do Congresso.
Mauro Filho, que também é secretário licenciado do Planejamento e Gestão do Ceará, explica que hoje a conta única do Tesouro tem em torno de R$ 1,2 trilhão. Destes, boa parte é de verbas carimbadas. Ou seja, somente pode ser usada para fim específico, como é o caso dos fundos. E dos mais de R$ 253 bilhões vinculados aos fundos, existe uma parcela significativa que, por razões diversas, não é mexida há vários anos e, em alguns casos, até décadas. É nesse bolo que mira o projeto.
“A proposta não extingue os fundos, desvincula apenas os valores que estavam parados até 2019. Os valores de 2020 voltariam a ser depositados normalmente”, afirmou o parlamentar.
De acordo com o projeto, este dinheiro, uma vez desvinculado, poderia ser usado pelo Governo Federal nos quatro eixos de combate à pandemia: pagamento de auxílios emergenciais; auxílio aos estados e municípios; acréscimo dos gastos com saúde; e manutenção do emprego e da renda.
"Hoje esses gastos somam um déficit de R$ 900 bilhões. Se não tivesse essa fonte, o Ministério da Economia teria que recorrer ao mercado financeiro para emitir títulos públicos e pagando juros bem acima da Selic. Desta forma, a gente consegue pelo menos uma parte do recurso para prolongar os programas e diminui a velocidade do crescimento da dívida em relação ao PIB, que é o grande pavor dos investidores”.
Na Câmara, a urgência foi votada pelo colégio de líderes. Ele disse que o relator do projeto, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), prometeu entregar o parecer em 72 horas. A proposta também precisa ser aprovada no Senado e receber a sanção presidencial.
Projeto ajuda, mas não resolve déficit
A desvinculação dos recursos dos fundos não constitucionais conta com o apoio da equipe econômica. O diretor da Secretaria Especial de Fazenda, Bruno Funchal, disse que o projeto dá flexibilidade orçamentária neste momento de recursos escassos. Fuchal, que será o futuro secretário do Tesouro, explicou que, por terem sido "carimbados", os recursos dos fundos ficam na conta única e não podem ser alocados para outras áreas, dificultando a execução orçamentária. "Muitas vezes esse carimbo fica obsoleto", ressaltou.
O diretor comparou a situação de uma família que destina sempre um percentual da sua renda para educação, alimentação, saúde e telefonia fixa, por exemplo. E, se precisar gastar mais com saúde, como agora na pandemia, não pode fazê-lo, porque tem de investir em telefone fixo, tendo de ir pedir empréstimo no banco.
Para o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto, o projeto é bom para a gestão, mas não é "pote de ouro no fim do arco-íris". "Melhora a vida, mas não é uma carta branca para gastar", disse. A vantagem é que o Tesouro precisará emitir menos títulos. Ele explicou que, por causa da rigidez orçamentária com as vinculações, o governo tem o dinheiro, mas não pode gastar porque teve outras necessidades de gastos.
Embora reconheça que o projeto simplifica a gestão do Tesouro, o presidente do Insper, Marcos Lisboa, alertou para o risco de que a proposta alimente a narrativa de que há espaço para gastos sem aumentar as obrigações futuras do governo. "O governo tem R$ 1 mil de dívida e R$ 100 no caixa em razão desses fundos que não foram gastos. Logo, o governo tem uma dívida efetiva de R$ 900. É isso que a sociedade brasileira deve e terá de pagar ao longo dos próximos anos". (Com agências)