A equipe de investigadores da Procuradoria-Geral da República (PGR) avalia que as
provas obtidas até o momento caracterizam que o presidente Jair
Bolsonaro (sem partido) cometeu o crime de advocacia administrativa em sua pressão para trocar postos-chave da Polícia Federal (PF). As informações são do jornal O Globo.
Após o vídeo da reunião ministerial no último dia 22 de abril ser divulgado, os procuradores avaliam que ficou claro que Bolsonaro pressionou o então ministro da Justiça, Sergio Moro, para fazer mudanças em cargos na PF em razão de interesses pessoais, que seria a proteção de seus familiares e amigos.
O crime de advocacia administrativa está previsto no artigo 321 do Código Penal
e é descrito da seguinte forma: “Patrocinar, direta ou indiretamente,
interesse privado perante a administração pública, valendo-se da
qualidade de funcionário”. Quando esse ato é feito em busca de um
“interesse ilegítimo”, a pena prevista em lei é de detenção de três
meses a um ano, além de multa.
O vídeo
Na gravação considerada como uma das evidências do
inquérito, Bolsonaro demonstra preocupação em proteger familiares e
amigos. Para os investigadores, o vídeo traz uma comprovação rara de se
obter nesse tipo de crime que é o “dolo”, isto é, a vontade de cometer o
delito.
Na reunião ministerial, o presidente dá a entender seu
desejo de trocar o superintendente da PF do Rio em prol da proteção de
familiares e amigos. Ele usa a expressão “segurança nossa no Rio”, mas a
avaliação dos investigadores é que o termo se refere à Superintendência
da PF.
"Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de
Janeiro oficialmente e não consegui. E isso acabou. Eu não vou esperar
foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso
trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura.
Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o
chefe, troca o ministro. E ponto final", afirmou Bolsonaro no dia 22 de
abril.
O presidente tem dito em sua defesa que, no vídeo da
reunião ministerial, não se referia à Polícia Federal quando citou
“segurança nossa no Rio” e diz que manifestou preocupação com a sua
segurança pessoal e de sua família. Essa versão também foi repetida
pelos ministros do núcleo militar que prestaram depoimento à PF.
Porém, mudanças feitas por Bolsonaro no Gabinete de
Segurança Institucional (GSI), responsável pela segurança pessoal do
presidente, quase um mês antes da reunião ministerial demonstra que
Bolsonaro não teve quaisquer dificuldades de realizar as mudanças que
quis nessa área.
Mais provas
Outra prova que corroboraria para o crime apontado é a mensagem enviada por Bolsonaro a Moro,
citando como “mais um motivo para a troca” da direção-geral da PF uma
notícia que mostrava que o inquérito das fake news está investigando
deputados bolsonaristas.
Também reforçou a suspeita o fato de ter tramitado na
PF do Rio um inquérito eleitoral contra o senador Flávio Bolsonaro
(Republicanos-RJ), filho do presidente, sobre ocultação de bens e
evolução patrimonial. Esse fato é observado como uma prova de interesse
direto do presidente no controle da Superintendência do Rio.
Por último, a sucessão de ocorrências posteriores à
reunião é vista como mais uma prova: dois dias após o vídeo ocorreu a
demissão de Valeixo e a saída de Sergio Moro. Pouco depois, veio a
nomeação de um novo diretor-geral da PF que teve como um dos seus
primeiros atos trocar o superintendente do Rio.
Essa análise será transmitida ao procurador-geral da
República, Augusto Aras, ao final do inquérito em tramitação perante o
Supremo Tribunal Federal (STF), para que ele decida se há elementos para
apresentar uma denúncia contra Bolsonaro ou se é o caso de
arquivamento. Aras tem afirmado que só vai fazer uma avaliação jurídica
do caso depois que a investigação se encerrar e ele puder analisar todas
as provas produzidas.
Crime de advocacia administrativa
Em um julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
a Sexta Turma decidiu da seguinte forma: “O crime de advocacia
administrativa demanda, para a sua configuração, a influência do
funcionário público sobre outro colega no patrocínio de interesse
privado. Sendo assim, o servidor não age de ofício, mas postula perante
outro funcionário público, direta ou indiretamente, interesse privado de
outrem”.
Apesar de a pena ser relativamente baixa em comparação
com outros crimes, um presidente da República que se torna réu é
afastado automaticamente do cargo. A aceitação de uma denúncia,
entretanto, depende da aprovação do Congresso.
Durante seu mandato, o ex-presidente Michel Temer foi denunciado três vezes, mas duas dessas denúncias foram barradas no Congresso. A terceira foi feita no fim da sua gestão e desceu para a primeira instância.
Outros procuradores do MPF, com experiência na área
criminal mas que não atuam diretamente nesse inquérito do presidente,
compartilham da mesma avaliação jurídica e também apontam que o
presidente poderia ter incorrido no artigo 33 da Lei de Abuso de
Autoridade: “Exigir informação ou cumprimento de obrigação, incluindo o
dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal”. A pena
prevista para esse delito é detenção de seis meses a um ano.
Outro delito sob análise, mas que ainda não estaria
devidamente caracterizado é o de obstrução da Justiça, por motivos
jurídicos envolvendo essa tipificação penal. Apesar de Bolsonaro ter
verbalizado preocupação com o inquérito das fake news, essa investigação
até o momento não inclui o delito de organização criminosa.
O crime de obstrução da Justiça só pode ser caracterizado se houver tentativa de embaraçar um inquérito cujo crime investigado seja de organização criminosa.
O inquérito atualmente está na Polícia Federal para a
conclusão de diligências pendentes. Investigadores da PF avaliam até o
momento que a caracterização de um delito criminal por parte do
presidente ainda não está evidente.
o Povo