Após dez meses de negociações, a Câmara
aprovou nessa quarta-feira, 4, o texto-base do pacote anticrime do
ministro da Justiça, Sergio Moro, desidratado e sem as principais
propostas apresentadas pelo ex-juiz da Lava Jato em fevereiro. A votação
é uma derrota para Moro e para a "bancada lavajatista", que até o
último momento defendeu a aprovação do texto original.
Dois pontos considerados cruciais - a prisão
após condenação em segunda instância e o trecho que ampliava o
excludente de ilicitude, tratado por políticos como licença para matar -
não foram aprovados. O texto-base foi aprovado por 408 votos a favor, 9
contrários e 2 abstenções. Agora, a Câmara apreciará os destaques do
projeto.
Nos últimos dois meses, o ministro percorreu as salas
dos partidos na Câmara, participou de almoços e jantares com bancadas e
líderes na tentativa de convencer os parlamentares a aprovarem o texto
original. Nesta quarta, antes da votação, Moro fez um esforço final e se
reuniu por duas vezes com deputados do chamado Centrão - formado por
DEM, PP, PL, Solidariedade e Republicanos -, buscando reverter a derrota
que já se desenhava ao longo do dia.
Em reunião com os parlamentares do DEM, Moro apelou aos
presentes afirmando que a opinião pública era favorável ao projeto. Ele
reclamou que pontos considerados por ele como cruciais haviam sido
suprimidos do texto.
A pressão de Moro e de seus apoiadores não surtiu efeito esperado. Além
do excludente de ilicitude e a prisão em 2ª instância, o ministro
também viu fracassar a tentativa de resgatar o "plea-bargain",
que daria a possibilidade de acusados confessem crimes em troca de uma
pena menor. O instrumento já existe no Código Penal dos Estados Unidos e
Moro queria trazer para o Brasil.
Negociações
Os deputados ainda aceitaram permitir que agentes da
Segurança Pública infiltrados possam produzir provas que levem à prisão
de suspeitos desde que exista uma operação em curso. Na prática, um
policial disfarçado poderá, por exemplo, tentar comprar drogas de um
traficante investigado e usar a ação para provar o crime.
Outra alteração negociada pelo grupo e pelo ministro
que voltou ao pacote foi o fim da progressão de pena para condenados
ligados às organizações criminosas como PCC, Comando Vermelho ou
milícia. "O texto é o do grupo de trabalho e não o do Moro.
A licença para matar será derrotada nesta noite neste plenário. PCdoB
vai votar sim pela urgência. Nós vamos votar o texto e derrotar Sérgio
Moro", afirmou o líder do PCdoB, Orlando Silva (SP).
O clima de derrota ficou estampado nos rostos dos
assessores do Ministério da Justiça e das bancadas lavajatistas. Moro
não quis comentar sobre a negociação e saiu do Congresso antes do
resultado final. "Sei que tem vários pontos que muitos poderão criticar.
De 100%, o relatório está contemplando quase 70%. Dentro do meio político é algo para se considerar",
afirmou Capitão Augusto (PL-SP), que relatou a proposta no grupo de
trabalho criado por Maia e é coordenador da Bancada da Bala.
Desde que chegou na Câmara, o projeto proposto por Moro
foi alvo de controvérsias. O ministro tentou pressionar o presidente
Rodrigo Maia para acelerar a tramitação da proposta, causando o primeiro
mal-estar dele com o Parlamento. Maia criticou a pressão de Moro e,
para atrasar a análise do projeto, criou um grupo de trabalho para
analisar o pacote.
Aliados do ministro também criticaram o engajamento
tímido do presidente Jair Bolsonaro às medidas. Sem falar com Moro, em
março, Bolsonaro combinou com Maia adiar a discussão do pacote para não
atrasar a votação da Reforma da Previdência. O acordo foi visto como um
sinal de desprestígio ao ministro.
O que restou
Apesar das modificações, o pacote é considerado por
técnicos do Ministério da Justiça e da Câmara como o maior pacote de
medidas ligadas à Segurança Pública votadas de uma só vez desde a
Constituinte.
O projeto proíbe a liberdade condicional e a "saidinha"
de criminosos condenados por crime hediondo que resultaram em morte.
"Não faz sentido, por exemplo, Suzana Von Richtoffen, que matou a mãe,
ter saidinha no dia das mães", justificou o relator das medidas no
Plenário, Lafayette Andrada.
Pelo texto, qualquer tipo de crime cometido com arma
proibida terá a pena aumentada. Embora não tenha endurecido punições
relacionadas a corrupção, o projeto amplia a pena do crime de concussão,
que é quando um funcionário público pratica extorsão para exigir uma
contrapartida.
Além disso, cria o banco nacional de perfil balístico e
permite o aumento da permanência de presos perigosos em
estabelecimentos federais de segurança máxima. Dois pontos inclusos que
não foram bem aceitos por Moro foram a criação do juiz de garantias e as
mudanças nas regras de delação premiada.