Escritora
Angela Gutiérrez será uma das homenageadas na solenidade do próximo dia
29. Ela inaugura a série de perfis especiais dos agraciados
Uma
menina que nasceu numa casa biblioteca. Assim se autodefine a
professora e escritora Angela Gutiérrez. E quis o destino que décadas
depois de ter vivido sua infância entre livros da biblioteca de seu
bisavô, Tomás Pompeu, em Fortaleza, se tornasse a primeira mulher a
presidir a Academia Cearense de Letras. “Nascendo numa casa biblioteca
seria estranho se não amasse livro”, avalia Angela, autora de clássicos
como “O Mundo de Flora (1990)”, “Avis Rara (2001) e “Luzes de Paris e o
Fogo de Canudos (2006)”.
Quando ainda sequer sabia ler, Angela
Gutiérrez fantasiava querendo saber que segredos havia dentro dos
livros. O pai, Luciano Cavalcante Mota, foi o seu guia nas bibliotecas
que frequentou durante a infância e juventude. A mãe, Angela Laís Pompeu
Rossas Mota, sempre foi uma contadora de histórias, referência
qualificada por Gutiérrez como a guardiã da memória da família. “Eu via
in loco, sabia que ali sentava meu bisavô, que minha avó estava lá
sentada, contando as histórias do avô dela, o Senador Pompeu. Então
desde pequena eu estava dentro da história da literatura, ouvindo coisas
que se tinham passado dentro daquela casa. Acho que eu já tinha um
caminho marcado pelo lugar onde nasci”.
Somente 124 anos após ser
criada a Academia Cearense de Letras uma mulher sentou na cadeira da
presidência. Para Angela Gutiérrez, estar atualmente à frente da
entidade literária mostra mudança de costumes e de cultura, fruto de
perseverança de grandes mulheres como ela. “Alba Valdez foi a primeira
acadêmica da Academia Cearense de Letras. Ela foi convidada e, poucos
anos depois, o nome dela foi retirado em uma nova mudança. Ela se
levantou, escreveu um artigo de pé e disse que a afronta não tinha sido
só a ela, mas a todas as mulheres escritoras e a todas as brasileiras”,
relatou Angela. “Mas nem assim algo mudou. Somente depois de alguns anos
ela foi reconduzida. Depois disso, entraram outras duas da família de
Juvenal Galeno. Levou muito tempo até que as mulheres retornassem à
categoria e ainda hoje nós somos minorias. Os tempos mudam e a mulher
vai cada dia assumindo papéis que eram só masculinos e, de repente
acontece isso, elegem uma mulher presidente da Academia”.
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Primeira Academia de Letras do Brasil
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Em
sua essência, a Academia Cearense de Letras tem uma característica
forte. Ela foi primeira do gênero. A Academia Brasileira de Letras
surgiu somente em 1897, enquanto que a cearense já existia desde 1894.
“O cearense é sempre pioneiro e a nossa Academia visa construir
culturas, especialmente a cultura literária e difundi-la”. Hoje, segundo
sua presidente, novos rumos estão sendo tomados, como a inclusão de
pessoas que não têm o costume de frequentar atividades literárias.
“Estamos convidando muitas escolas para virem aqui, jovens de
universidades para que sintam que isso aqui não é uma torre de marfim. A
Academia Cearense de Letras não é uma torre de marfim, nós ocupamos há
30 anos. Em novembro vamos comemorar, pois a Academia Cearense de Letras
antes vivia passeando, ficava num lugar, ia para outro, até que passou a
ter como sede o Palácio da Luz. Considero que a Academia começou uma
nova fase quando se instalou no Palácio da Luz”, analisa Angela
Gutiérrez.
Para ela, presidir a Academia Cearense de Letras é uma
honra, mas também representa muito trabalho, posto que são dois setores
dos quais precisa cuidar. Um é o patrimônio. “Cuidar de uma casa que é
Sede de Governo desde o século XVIII já é pesado. Como uma casa antiga,
precisa constantemente ser recuperada”. Por outro lado, Angela precisa
cuidar da Academia. “Tenho que cuidar das atividades voltadas para a
sociedade e cuidar das atividades da Academia com os sócios. São dois
grandes setores que precisam estar equilibrados”.
Desenvolver o
gosto pela literatura diante do atual cenário onde são tantas as opções
acessíveis a partir do chamado boom tecnológico é algo que
constantemente leva Angela Gutiérrez à reflexão. Para a escritora não
podemos eliminar a internet da nossa vida, ela tem seus valores. O que
se pode ser feito é o melhor uso da internet. “A gente precisa é educar
nossos filhos e netos a ter limite no uso do computador, do celular e
tudo aquilo que acessa a internet. Temos que dar um limite, assim como
sempre foi dado para a televisão. Sempre dissemos que primeiro era
preciso fazer a tarefa de casa”, aconselha. “Em criança o livro era a
minha paixão, eu podia ler embaixo das árvores. As crianças não tinham
tanta ocupação como têm hoje. Balé, natação, cursos de línguas são
maravilhas, mas isso precisa ser bem dosado para que a criança possa ter
o tempo de ficar só, de ler, de inventar brincadeiras, precisa ter o
seu momento de pensar. Todo mundo tem o direito de ficar sozinho com a
sua imaginação”, argumenta a escritora que nos raros momentos livres
adora ficar com seus oito netos.
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Angela
Gutiérrez é daquelas pessoas que não deixam de expressar o que sentem e
tampouco se negam a buscar o melhor, não para si, mas para a cultura
brasileira. Para ela, no cenário atual, quem trabalha com cultura em
qualquer lugar do Brasil, são heróis e heroínas. “É o momento em que o
Ministério da Cultura já foi, não existe mais. O que temos é uma
Secretaria de Cultura. É triste falar isso, mas o atual Governo Federal
tem menosprezado a Cultura”, avalia. “Felizmente isso não acontece aqui
no Ceará, onde o Governo do Estado, assim como acontece com os outros
governos no Nordeste, temos quase uma Confederação do Equador, têm
buscado, mesmo com tanta dificuldade, honrar a nossa cultura, tanto que
tivemos uma belíssima Bienal Internacional do Livro, há pouco tempo,
comandada pelo extraordinário secretário de Cultura Fabiano Piúba”,
ressalta a professora.
A presidente da Academia Cearense de
Letras será uma das seis personalidades que receberão no próximo dia 29
de novembro, a Medalha da Abolição, comenda instituída em 1963, que
reconhece o trabalho relevante de brasileiros para o Estado do Ceará e
para o Brasil. Gutiérrez diz ter recebido com surpresa a informação que
lhe foi repassada pelo próprio governador Camilo Santana. “O governador
telefonou e pensei que seria chamada para algum curso, conferência, ou
algo assim. Quando soube do que realmente se tratava eu fiquei honrada”,
conta. “Mas não recebi como se fosse para mim, recebi como eu sendo a
representante dos escritores, professores, e, muito especialmente, das
professoras, das escritoras. Hoje em dia tem se dado foco maior sobre as
mulheres porque passaram muito tempo nas sombras e agora precisam
aparecer, precisa que elas tenham voz, tenham palavra”, afirma ela que
em seus diversos cargos ocupados em órgãos como a Universidade Federal
do Ceará foi responsável por conquistas como a implantação do programa
de pós-graduação da UFC, que fez 30 anos recentemente, implantou o ICA
(Instituto de Cultura e Arte da UFC), sendo encarregada pela reforma e
modernização da Casa de José de Alencar, que estava com teto caindo.
Tendo
convivido toda a sua vida com livros nas mãos e lado a lado com a
cultura e arte, a Medalha da Abolição coroa a trajetória de Angela
Gutiérrez. “Aqui em nosso Estado se investe nessas áreas. Acho triste
dar as costas para a arte num país em que a arte é viva, vibrante, seja
na dança, com trabalhos em pintura, trabalhos de tradições populares.
Aqui em nosso Estado foi criada uma Bolsa e um título para os Mestres da
Cultura. O Ceará tem disso sim! É uma terra de pessoas pioneiras, então
temos que valorizar nosso traço cultural e nossa Secretaria de Cultura
tem valorizado”, comemora a homenageada com a Medalha da Abolição.