Não são apenas as queimadas. Não é só a
seca. Não se trata apenas do 2019. A degradação da Amazônia se estrutura
num contexto histórico e hoje se escancara para o mundo. Pela falta de
recursos, de fiscalização e de prioridade.
"E vai atingir todos os processos econômicos do
Brasil", afirma a pesquisadora Sandra Bentrán Pedreros. Ela trabalhou
por 23 anos em Manaus e sabe o peso da falta de conhecimento e cuidado
sobre a floresta tropical de cinco milhões de quilômetros quadrados.
A especialista desenha um cenário de abandono. Sem
verbas para pesquisas científicas, com menos água, mais estradas e
pessoas, afetando o modo de vida e sustento das comunidades. "Fica uma
Amazônia desamparada e aí todo mundo se aproveita. Para cortar mais
árvores, para fazer mais grilagens. Não tem nem gente para combater os
incêndios", expõe Sandra.
A situação descrita chegou a discursos políticos e
entidades encarregadas de proteger o ecossistema. A postura do Governo
Federal sobre o problema também ganhou espaço. Mas no lugar de
contribuir para soluções, apenas acentuou a insegurança e
vulnerabilidade brasileira frente a outros países.
Quando o presidente Jair Bolsonaro (PSL) culpa Organizações Não Governamentais (ONGs) pelas queimadas,
ele não apenas desconsidera o trabalho realizado. Mas faz com que o
Brasil perca parte do seu protagonismo dos debates climáticos mundiais.
Países como Alemanha, Noruega, Reino Unido e até os Estados Unidos
investem na proteção ambiental brasileira.
"As ONGs que atuam na região têm acesso aos recursos do
Fundo Amazônia. Que tem como maior parte doações desses países",
explica o diretor executivo da Associação Brasileira de ONGs, Mauri
Cruz. As doações não são feitas apenas por solidariedade. Há interesse
econômico e consciência de que a Amazônia é, de fato, o pulmão do mundo.
A divisão territorial dos continentes, de acordo com Mauri, é apenas
política.
"Investir na preservação ambiental em qualquer lugar do
planeta é investir na preservação deles. Esses países conseguem
enxergar o nexo casual entre a Amazônia e a vida deles", complementa.
Em agosto, a Alemanha suspendeu o envio de R$ 155 milhões para o Fundo. Em seguida, a Noruega congelou R$ 133 milhões. Os cortes vieram junto ao não
reconhecimento, por parte do presidente da República, de dados
científicos produzidos pela Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe). "Esses dados embasam diretrizes e prioridades de atuação.
Tanto em definição territorial quanto em relação aos temas. A boa gestão
pública precisa dos dados", analisa Mauri.
Negar as informações científicas produzidas no Brasil
significa também desestabilizar o País internacionalmente. "Há uma
perplexidade internacional com o que está acontecendo. O fato de o
presidente francês (Emmanuel Macron) levar o debate da Amazônia para o
G7, do qual o Brasil não faz parte, nos coloca numa posição incômoda",
analisa o professor de Ciência Política e Relações Internacionais do
Ibmec, Oswaldo Dehon.
A desarticulação da política externa brasileira está
demonstrada na questão ambiental, conforme o professor. Principalmente
porque o Governo culpa terceiros por uma responsabilidade que lhe cabe.
"Isso não faz nenhum sentido. É preciso observar as causas, mas o
Governo recua. Existem centenas de instituições técnicas que fazem o
controle da Amazônia", ressalta o especialista.
É o Governo quem controla as fronteiras, quem estimula o
agronegócio, quem mantém as Forças Armadas em regiões de conflito. É o
Governo quem monitora o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). "Ele
tem condições de entender o que está acontecendo", frisa o professor.
o Povo