O Ceará é o segundo estado do Nordeste com o
maior número de violações contra os direitos humanos durante o período
de pandemia por Covid-19. Os dados são elencados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MdH)
e fazem parte do Portal da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, que
recebe denúncias de dois canais do Governo Federal: o Disque 100 e o
Disque 180.
Foram registradas, até o dia 14 de abril, 200 denúncias no Ceará efetuadas pelos telefones governamentais.
O Estado fica atrás apenas da Bahia, que registrou 205 telefonemas até
então. Os números são atualizados com até dois dias de atraso e os índices já podem ter aumentado.
Em todo o País, foram contabilizadas 1.495 denúncias após o início do
levantamento específico para o período de pandemia, que é influenciado
por medidas de isolamento social e por medidas específicas de
atendimento na saúde pública.
A maior incidência de violações do Estado são contra pessoas socialmente vulneráveis, com 137 registros.
Segundo Cristiane Faustino, titular do Conselho Estadual de Defesa dos
Direitos Humanos do Ceará (CEDDH), essa parcela da população é a mais
afetada devido a problemas estruturais do País que persistem na sociedade,
inclusive durante o período de pandemia. “As famílias tradicionais
brasileiras já têm um histórico de formação de violência e, no período
de isolamento, a dificuldade de acesso a dinheiro e a alimentos aumentam
a tensão do confinamento. Essa violência deve aumentar em locais e comunidades no quais as pessoas não tenham uma moradia digna”.
A principal violência relatada nas denúncias é a de
exposição de risco à saúde, que, segundo Cristiane, pode ser um
movimento natural ocasionado pela mistura de sensações diante de um
contágio por doença. A presidente tem recebido denúncias de cearenses
que chegam com sintomas de Covid-19 na rede pública, mas voltam para
casa devido a falta de assistência adequada. “Em uma possível situação de desespero, as pessoas vão denunciar e correr atrás de seus direitos”. Soma-se a situação de insegurança e colapso da saúde pública a falta de condições adequadas de saúde para se ter uma vida saudável.
Alto índice de violência contra pessoas em restrição de liberdade é reflexo de ações anteriores do Ceará
A violência contra pessoas em restrição de liberdade,
que inclui detentos e internados em instituições de ressocialização,
ocupa o segundo maior número no Estado, com 37 denúncias. Das denúncias, 36 se incluem na exposição de risco à saúde, seguido de maus tratos com 25 casos. Uma única denúncia pode conter diversas violações e diversas motivações.
O sociólogo e pesquisador do Laboratório de Estudos da
Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará, Ítalo Lima, explica
que as denúncias são um reflexo da permanência de problemas estruturais
nessas unidades, como a superlotação. Há sete anos Ítalo estuda o sistema carcerário no Brasil.
“O sistema prisional é um espaço de aprofundamento das desigualdades e,
historicamente, já são espaços de maus tratos praticados por diversos
atores”.
A instauração do estado de pandemia mundial soma-se aos
problemas estruturais e a persistência de dificuldades em obter acesso a
informações dos detentos, como o estado de saúde ou de ações
governamentais que visam evitar a proliferação do novo coronavírus. Essa angústia repercute em denúncias efetuadas por parentes da pessoa que está em privação de liberdade. “O perfil dos encarcerados dá um tom geral a quem faz a visitação. São pessoas com poucos recursos financeiros e pouca assistência jurídica. Não causa espanto o Ceará se destacar nos indicadores, pois existe uma mobilização de denúncias”.
Os indicadores abrangem os meses de março e abril, período no qual medidas de isolamento social foram decretadas no Ceará. As barreiras sociais foram estabelecidas no dia 19 de março e seguem até o próximo dia 20. O secretário de saúde do Estado, Dr. Cabeto, já afirmou que haverá prorrogação na medida.
O titular da Ouvidoria Especial dos Direitos Humanos do Ceará (OEDH), Franklin Dantas, explica que há uma demora do Ministério em repassar os dados detalhados ao Estado,
o que possibilitaria um direcionamento a atendimentos personalizados
para cada denúncia. O conselho é ligado à Secretaria de Proteção Social,
Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos do Ceará (SPS), que
está realizando levantamentos estaduais baseados em canais de denúncias
da pasta.
Segundo Franklin, a apuração desses dados é
delicada e requer manifestações setoriais de cada uma das ouvidorias dos
órgãos que recebem a denúncia. “Quando não é realizada uma denúncia anônima, tentamos buscar diretamente o contato e encaminhamos para os setores”, disse.
Segundo Cristiane, o CEDDH tem feito o monitoramento
dos casos de violência recebidos pela SPS. “Estamos em um momento em que
foram feitos vários planos de contigência e de políticas públicas. Uma
das dificuldades que estamos passando é a de verificar a aplicação
dessas políticas, visto que não temos como sair de casa. É um desafio”, conclui.
Para denunciar violações aos direitos humanos no Ceará, é possível ligar para o número 155 ou enviar email para os seguintes endereços: ouvidoria.dh@sps.ce.gov.br e para o covid19direitoshumanos@gmail.com. Os canais 180 e 190 também continuam ativos.o Povo