Anápolis recebe repatriados com orgulho e crítica a investimento na saúde
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personBlog do Amaury Alencar
فبراير 10, 2020
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O termômetro marcava 18º graus quando os dois aviões
da Força Aérea Brasileira pousaram – o primeiro às 6h06, o segundo às
06h12 – na Base Aérea de Anápolis, em Goiás, neste
domingo, 9. Da aterrissagem até o desembarque se passaram vinte minutos,
os últimos das 37 horas de voo desde Wuhan, na China.
Com máscaras cobrindo nariz e boca e caminhando rapidamente, as 34
pessoas, brasileiros e seus familiares, além dos 24 tripulantes, foram
encaminhados a um ônibus da Aeronáutica por militares completamente
cobertos por um macacão de segurança e com máscaras cobrindo todo o
rosto.
Após nova verificação do estado de saúde de cada um deles,
foram levados até o hotel, na mesma base aérea, onde vão ficar por 18
dias, período de quarentena determinado pelo governo brasileiro. De
acordo com o Ministério da Defesa, até aquele momento, todos estavam
assintomáticos e apresentavam bom estado de saúde.
A cerca de 12 quilômetros dali, trabalhadores corriam para montar
suas barracas da Feira Coberta de Jundiaí, tradicional mercado popular
de alimentos na cidade. A rotina mantinha-se inalterada, a despeito da
movimentação da imprensa e de militares na cidade. “Já chegaram?”,
perguntou à reportagem o aposentado José do Carmo Simões, de 72 anos,
que vendia seus abacaxis e melancias. Ele ignorava completamente a data e
a hora de chegada do grupo repatriado. “Confio no que dizem as
autoridades, que disseram não ter risco. Se os trouxeram para cá, eles
vão ser bem-tratados e, quando saírem, vão conhecer a nossa
hospitalidade. Espero que voltem para as suas casas falando bem da nossa
cidade”, entusiasmou-se. José do Carmo Simão, feirante – 09/02/2020 Cristiano Mariz/VEJA
A mesma opinião tinha o fotógrafo Geovaine de Oliveira, de 47 anos,
para quem acertou o governo brasileiro em “resgatar outros brasileiros
em situação de perigo no mundo”. No entanto, ele lamenta que “os
brasileiros que precisam de ‘resgate’ aqui dentro, em Anápolis mesmo,
permaneçam abandonados”. “Veja o nosso posto de saúde. Lamentavelmente, e
digo sem criticar o esforço para buscar nossos conterrâneos, se alguém
precisar do posto médico vai sofrer o que os brasileiros na China não
sofreram.”
Nos dois dias em que VEJA esteve em Anápolis – véspera e antevéspera
da chegada dos brasileiros da China – não se viu nenhum morador usando
máscaras hospitalares, mas foi possível verificar garrafas de álcool em
gel espalhados pelos estabelecimentos comerciais. Gerentes de farmácias
da cidade disseram à reportagem que houve aumento da procura pelos
materiais. De acordo com Vilmair Rodrigues, de 35 anos, gerente da rede
de Farmácias JK, foi necessário repor o estoque de máscaras ao menos uma
vez desde que a cidade passou a ser cogitada para quarentena dos
brasileiros vindos da China há uma semana. Marcos Francisco, da Drogaria
Nacional, contabiliza crescimento de até 25% das vendas do material nas
suas lojas. “Uma mãe disse que iria colocar (a máscara) no filho a
partir de segunda, no retorno das aulas”, disse.
O prefeito de Anápolis, Roberto Naves, não esconde a satisfação de a
cidade ficar em evidência nacional. “Você vai ver que quando tudo
passar, os anapolinos sentirão até orgulho”, diz. Naves afirmou à
reportagem que no início da última semana chegou a ser pressionado por
moradores para que buscasse formas de recusar a recepção dos brasileiros
vindos da China, mas que tão logo confirmado o local de quarentena,
passou a fazer um esforço para informar os moradores de que não havia
qualquer risco, ainda que algum dos repatriados tivessem doentes.
“Nenhum deles está com o vírus, ou pelo menos não teve sintoma, mas,
ainda que tivessem, eu fiz um esforço, com entrevistas, vídeos,
mensagens, para tranquilizar a população de que não havia qualquer risco
de se espalhar o coronavírus a partir da base aérea”, afirmou. Deu
certo. Os moradores com quem VEJA conversou ao longo de sábado e domingo
não demonstraram medo. Um deles até reclamou do esforço e dos gastos
com a repatriação, mas não se apegava a medo de transmissão da doença. Roberto Naves, prefeito de Anápolis-GO – 09/02/2020 Cristiano Mariz/VEJA
A programação é que fiquem completamente isolados até o dia 26 de
fevereiro. Assim que os aviões pousaram, o general Manoel Luiz Narvaz
Pafiadache, secretário de Pessoal, Ensino, Saúde e Desporto do
Ministério da Defesa, afirmou que “todos os passageiros estão muito bem
de saúde, estão assintomáticos.” Às 10h da manhã, após um período de
descanso, o grupo de repatriados assistiu a um vídeo no qual lhes foi
apresentada a área da base disponibilizada para a estada de isolamento.
Ao todo, são 38 suítes, com camas televisões e frigobares, além de
acesso à internet e videogames. As crianças têm à disposição uma
brinquedoteca e um pula-pula. Ainda no vídeo, eles foram informados de
que serão examinados pelo menos três vezes ao dia e terão de transitar
pela área do isolamento com máscaras e que, em caso de necessidade de
saúde, eles poderão receber o primeiro atendimento dentro do complexo da
base aérea e, se constatada a contaminação, serão levados de
helicóptero para Hospital das Forças Armadas de Brasília, a 150
quilômetros dali.
Há a previsão de que o presidente Jair Bolsonaro vá ao local após o
período de quarentena. Mas para recepcioná-los gravou um áudio
dando-lhes as boas-vindas ao país. O áudio foi transmitido assim que
entraram no espaço aéreo brasileiro. A atitude marcou a mudança de
atitude do presidente, que inicialmente havia dito que o governo que não
tinha intenção de buscar o grupo.
A modificação da postura presidencial não passou despercebida por
Jean Carlo Soares Pereira, de 41 anos, encarregado de obras e morador de
Anápolis. “É marketing político. Ele disse que não queriam contaminar o
resto do país, que o problema era deles que foram para a China, agora
se passa de herói. É tudo marketing.” Jean Carlos Soares Pereira, encarregado de obra – 09/02/2020 Cristiano Mariz/VEJA
Estratégia política ou não, o aposentado José Neves de Siqueira
Júnior, morador de Belo Horizonte, estava num misto de gratidão e
cansaço, quando falou com VEJA no fim da tarde sábado. Ele havia
entregue na prefeitura de Anápolis uma carta, na qual agradece aos
brasileiros e à cidade pelo apoio a seu filho, o universitário Victor
Campos Moura Neves e Siqueira, que faz um intercâmbio no país. “Estou
esgotado e vou tirar o domingo para Deus, para agradecê-lo, depois de
uma longa noite de sábado, esperando meu filho retornar ao Brasil.” Ele
foi um dos poucos familiares do grupo chegado da China a ir desde já
para a cidade. “Obrigado, obrigado”, repetia, agora, mais tranquilo.