Milagres é uma cidade pacata. Com seus quase
30 mil habitantes, o município do interior do Ceará era considerado
calmo pela população. “A gente nunca tinha tido uma troca de tiros.
Acordar com rajada de tiros de um lado para o outro de madrugada
assustou muita gente”, relembra o professor de história Lucas Santos. O
relato é sobre o dia que surpreendeu a comunidade, alterando a rotina
pelos meses que seguiram. No Centro da Cidade, no dia 7 dezembro de
2018, uma tentativa de assalto a bancos interceptada pela Polícia
terminou com 14 mortos, entre suspeitos e inocentes.
As primeiras horas da manhã do dia 7 foram
confusas para a população. Informações desencontradas, boatos e
especulações apenas aumentavam o pânico dos moradores. “Eram mais de mil
mensagens nos grupos [de aplicativos de mensagens], as pessoas querendo
entender, ninguém sabia se tinha morrido policial, inocente, bandido”,
diz. A sensação de medo piorou quando souberam que a Polícia ainda
procurava por suspeitos nos arredores da cidade. Aulas foram canceladas e
as pessoas receberam a recomendação de ficar dentro de casa.
“Depois de uns 15 ou 20 dias que a coisa foi voltando a
uma certa normalidade. O que fica é mais a ideia de impunidade, de
insegurança”, opina o professor. Mesmo depois desse período, Lucas disse
que deixava de passar pela rua que foi cena do crime. “Era um clima
muito ruim”. Algumas fachadas de casas que acabaram sendo alvo dos tiros
foram reformadas, mas as marcas ainda são visíveis em postes de
energia.
Para Lucas, a rotina da cidade não é exatamente a
mesma. Além de evitar ficar na rua até tarde, mais pessoas buscaram
instalar câmeras de vigilância, uma preocupação que antes era específica
dos comerciantes. Apesar disso, o professor considera a cidade
tranquila. Ele relembra quando viajou à Paraíba e, ao falar de onde era,
recebeu respostas assustadas. “As pessoas de fora acham que aqui é um
bang bang, mas a cidade é calma”.
O peso da lembrança da tragédia é mais alto para alguns
moradores. Segundo Lucas, alguns familiares de testemunhas ou
sobreviventes ainda têm medo de retaliação. O aposentado José Lima de
Souza, que foi obrigado pelos assaltantes a entrar no carro e depois a
ficar em cima do capô do veículo no momento de confronto com a PM, foi
uma das pessoas da cidade a ter mais contato com a situação. Na época do
ocorrido, o homem deu uma entrevista à organização jornalística Ponte
na qual falou sobre o abalo emocional causado pelo momento em que passou
no carro, na mira das balas dos policiais. José morreu após um infarto
em 2019. A família não quis falar sobre o caso.
“Abalou muito. Por algum tempo, uns três meses, a
cidade ficou perplexa, as pessoas ficaram entristecidas”, conta o padre
Ronaldo Oliveira, da paróquia Nossa Senhora dos Milagres. Ele foi acordado no meio da noite pelos tiros e teve de tomar remédios para voltar a dormir.
Os grupos religiosos da cidade, comenta Lucas, ajudaram os moradores a
superar o ocorrido. Sete dias depois do caso, eles se reuniram para
prestar homenagem às vítimas, realizando missas e rodas de orações perto
do local do crime. Neste domingo, 8, as rezas aos que morreram irão se
repetir, de acordo com o padre.
o Povo